quarta-feira, novembro 29, 2006

Ora viva!

Morreu um senhor artista, daqueles que já não se fazem mais, e que me deixam num saudusismo inexplicável.

PASTELARIA - MÁRIO CESARINY
Afinal o que importa não é a literatura nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante - ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não termedo de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente: Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rirde tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

you are welcome to elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluços
ó espasmo só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar Mário Cesariny

Bons dias, boas tardes, boas noites, bons crepúsculos e bons lusco-fuscos

2 Comments:

Blogger João Cruz said...

Eh pa este gajo e mesmo bom...é a primeira vez que li alguma coisa dele e gostei muito...

E era português....è de deixar uma pessoa orgulhosa....

Espero que no futuro tanto este como muitos outros artistas portugueses me inspirem a escrever...


Fica bem ó ó...sei la tenho que pensar....

novembro 29, 2006 9:46 da tarde  
Blogger Unknown said...

Engraçado o velho! Até hoje so tinha visto alguns quadros dele... texto é primeira vez que vejo. Concluo que prefiro sem dúvida a parte lírica de Cesariny!

Obrigado Amarilis por partilhares estes textos connosco!

novembro 30, 2006 12:31 da tarde  

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